quinta-feira, 20 de março de 2014

O Que Realmente Importa


Por Romero Marcius Viegas Meireles
  

Era uma vez o jovem que recebeu do rei a tarefa de levar uma mensagem e alguns diamantes a um outro rei de uma terra distante. Recebeu também o melhor cavalo do reino para levá-lo na jornada. – Cuida do mais importante e cumprirás a missão! – disse o soberano ao se despedir. Assim, o jovem preparou o seu alforje, escondeu a mensagem na bainha da calça e colocou as pedras numa bolsa de couro amarrada a cintura, sob as vestes. Pela manhã, bem cedo, sumiu no horizonte. E não pensava sequer em falhar.


Queria que todo o reino soubesse que era um nobre e valente rapaz, pronto para desposar a princesa. Aliás, esse era o seu sonho e parecia que a princesa correspondia às suas esperanças. Para cumprir rapidamente sua tarefa, por vezes deixava a estrada e pegava atalhos que sacrificavam sua montaria. Assim, exigia o máximo do animal. Quando parava em uma estalagem, deixava o cavalo ao relento, não lhe aliviava da sela e nem da carga, tampouco se preocupava em dar-lhe de beber ou providenciar alguma ração. – Assim, meu jovem, acabas perdendo o animal – disse alguém. – Não me importo – respondeu ele – Tenho dinheiro. Se este morrer, compro outro. Nenhuma falta fará! Com o passar dos dias e sob tamanho esforço, o pobre animal não suportando mais os maus-tratos, caiu morto na estrada.




O jovem simplesmente o amaldiçoou e seguiu o caminho a pé. Acontece que nessa parte do país havia poucas fazendas e eram muito distantes umas das outras. Passadas algumas horas, ele se deu conta da falta que lhe fazia o animal. Estava exausto e sedento. Já havia deixado pelo caminho toda a tralha, com exceção das pedras, pois lembrava da recomendação do rei: “Cuida do mais importante!” Seu passo se tornou curto e lento. As paradas, freqüentes e longas. Como sabia que poderia cair a qualquer momento e temendo ser assaltado, escondeu as pedras no salto de sua bota. Mais tarde, caiu exausto no pó da estrada, onde ficou desacordado. Para sua sorte, uma caravana de mercadores que seguia viagem para o seu reino, o encontrou e cuidou dele. Ao recobrar os sentidos, encontrou-se de volta em sua cidade. Imediatamente foi ter com o rei para contar o que havia acontecido e com a maior desfaçatez, colocou toda a culpa do insucesso nas costas do cavalo “fraco e doente” que recebera. – Porém, majestade, conforme me recomendaste, “cuida do mais importante”, aqui estão as pedras que me confiaste. Devolvo-as a ti. Não perdi uma sequer. O rei as recebeu de suas mãos com tristeza e o despediu, mostrando completa frieza diante de seus argumentos. Abatido, o jovem deixou o palácio arrasado. Em casa, ao tirar a roupa suja, encontrou na bainha da calça a mensagem do rei, que dizia: “Ao meu irmão, rei da terra do Norte. O jovem que te envio e candidato a casar com minha filha. Esta jornada é uma prova. Dei a ele alguns diamantes e um bom cavalo. Recomendei que cuidasse do mais importante. Faz-me, portanto, este grande favor e verifica o estado do cavalo. Se o animal estiver forte e viçoso, saberei que o jovem aprecia a fidelidade e força de quem o auxilia na jornada. Se, porém, perder o animal e apenas guardar as pedras, não será um bom marido nem rei, pois terá olhos apenas para o tesouro do reino e não dará importância à rainha nem àqueles que o servem”.




Comparo esta estória com o ser humano que segue sua jornada na vida, tão preocupado com seu exterior, isto é, com os bens, que tudo guarda como se fosse tudo ouro, esquecendo de cuidar de si mesmo, da própria alimentação, do próprio organismo, da própria saúde, da própria vida enfim. Certamente não cumprirá a missão, já que não sabe guardar o que é mais importante . Se você tiver a oportunidade de conhecer pessoas assim, como conheci e conheço a muitos, verá que na intimidade têm mais problemas que você ou eu e são cercados de infelicidades que elas mesmas, em grande parte, estão construindo. Antes que seja tarde, preocupe-se em: será que estou no Caminho da Consciência, do Cuidado consigo e com o Outro, do Autoconhecimento e do Autocontrole, de uma relação de amor e harmonia comigo mesmo e com a Natureza, ou estou outorgando a outros (padres, pastores, médicos, professores, etc.) a tarefa de saber acerca daquilo que eu sou e o que é pior, entregando-lhes a capacidade de administrarem minha própria vida, dizendo-me o que devo ou não fazer, desrespeitando a mim mesmo, à Natureza, e, tornando-me até mesmo anti-social e antiecológico? (Pense durante toda a sua vida sobre isto) O jovem simboliza cada um de nós.




O rei que mandou enviar a mensagem simboliza o Universo. A mensagem e alguns diamantes representam aquilo que devemos transmitir de verdadeiramente importante e aquilo que pode realmente ajudar o outro. A princesa representa o conhecimento que necessitamos adquirir e “desposar”. O rei de uma terra distante simboliza o outro, qualquer outro, em relação a cada um de nós. O cavalo representa nosso próprio organismo, o qual pode transportar-nos, para que possamos cumprir nossa missão. Sem um bom cavalo (um termo que inclusive é usado pelos umbandistas) é impossível. Poucas fazendas e muito distantes representam as adversidades que fazem parte do caminho. A caravana de mercadores representa as pessoas que encontramos no caminho (hoje em dia raras pessoas) que sempre nos levam ao encontro de nossas origens.


O jovem colocar a culpa do insucesso nas costas do cavalo “fraco e doente” que recebera representa a mania que temos de isentar-nos da responsabilidade de cuidar de nosso próprio organismo. Às vezes até com argumentações altamente elaboradas, de caráter filosófico e/ou teológico, do tipo, “o corpo é mesmo miserável, a carne é fraca, mal é o que sai da boca do homem, o que importa é a alma, ou o espírito”. Mas, enfim, tais desculpas esfarrapadas são insuficientes para isentar-nos daquilo que é na realidade essencial e afinal pagamos caro o preço de nossa desatenção e descuido. Recobrar os sentidos e encontrar-se de volta à sua cidade, significa o cair em si. O irmão do rei, e, rei da terra do Norte, representa a possível vitória, o objetivo a ser alcançado na jornada de auto-realização que todos nós podemos e devemos empreender nesta vida, como sendo o mais importante de fato, a ser realizado. O cumprimento de nossa missão de vida. Manter o cavalo forte e viçoso representa a fidelidade que devemos ter para com aquele que nos emprestou o necessário para cumprirmos nossa missão: O Universo. Perder o animal e guardar as pedras simboliza a atenção para com o que na verdade não é o essencial e a desatenção para com aquilo que verdadeiramente é importante, aliás, uma característica de quase todos hoje em dia.

    Olhar apenas para o tesouro do reino e não ter olhos para a rainha e para os servos (para os que servem) representa o acúmulo de bens transitórios e o desprezo para com a aquisição do conhecimento da verdade (a sabedoria) e também para com o círculo de relacionamentos. 

terça-feira, 11 de março de 2014

Quaresma...Conversão!!!

Depois de termos, piedosamente, recebido as cinzas que nos foram impostas em nossas cabeças, com a abertura da quaresma, na Quarta-Feira de Cinzas, ecoa em nosso coração o convite da Igreja: "Convertei-vos e Crede no Evangelho".



E, para crer no Evangelho, nós devemos lembrar que "somos pó e ao pó retornaremos", por isso mesmo a conversão é um processo contínuo. A conversão não pode ser forçada, porque Deus nos concede o livre arbítrio.

Neste primeiro domingo da quaresma, que é um grande retiro popular, para cada um de nós, a Igreja nos chama a atenção acerca das "tentações". Somos tentados a cada momento, pelos prazeres desordenados, pela vaidade, pela necessidade de opressão e de poder despótico de mando. Somos tentados pelo ter, pelo ser e pelo poder.

O Beato João Paulo II disse que "antes de iniciar a sua atividade pública, Jesus, impelido pelo Espírito Santo, retira-Se no deserto durante quarenta dias. Ali, como lemos hoje no Evangelho, Ele é posto à prova pelo demônio, que Lhe apresenta três tentações comuns na vida de todo o homem: a voluptuosidade dos bens materiais, a sedução do poder humano e a presunção de submeter Deus aos próprios interesses". 

O livro primeiro das Escrituras Sagradas nos apresenta a tentação de Adão e Eva: (Gen 2,7-9.3,1-7) Deus criou o homem para a felicidade e para a vida plena. No entanto o homem preferiu construir o "paraíso" a seu modo. Rompendo com o projeto de Deus, "sentiu-se nu", despojado dos dons de Deus, incapaz de ser feliz. O Homem vem "da terra", no entanto recebe também o "sopro de Deus". Deus criou o homem para ser feliz, em comunhão com Deus e indica-lhe o caminho da imortalidade e da vida plena. A escolha errada do homem, desde o início da história, destrói a harmonia no mundo e é a Origem do Mal.

São Paulo nos apresenta Adão e Jesus. (Rm 5,12-19) Adão representa o homem que escolhe ignorar as propostas de Deus e decidir, por si só, os caminhos da salvação e da vida plena; Jesus é o homem que escolhe viver na obediência às propostas de Deus.

No Evangelho Jesus é tentado três vezes: a tentação da abundância, do prestígio e do poder. Jesus é tentado a transformar pedra em pão e responde que "nem só de pão vive o homem, mas de toda a palavra que sai da boca de Deus". Jesus, em segundo lugar, registra o prestígio, o poder, as facilidades, os holofotes, a necessidade de aparecer, e diz: "Não tentarás o Senhor teu Deus". Por fim, Jesus é tentado ao poder. Como esta tentação continua atual, principalmente naqueles homens da hierarquia eclesiástica que fazem ouvidos moucos aos exemplos e vivência do Papa Francisco. O Papa, tal como Jesus, nos dá o recado claro e cortante: "Adorarás somente ao Senhor, Teu Deus!".


Nosso Senhor Jesus Cristo recusou a tentação do pão, da glória e do poder e nos ensinou que só uma coisa é verdadeiramente decisiva e fundamental: a fidelidade a Ele e à sua Palavra de Salvação.

O tempo da quaresma é um tempo de vencer as tentações que Jesus viveu e que são as mesmas tentações que todos vivemos. O Papa Emérito Bento XVI ensinou: "O primeiro domingo do itinerário quaresmal evidencia a nossa condição de homens nesta terra. O combate vitorioso contra as tentações, que dá início à missão de Jesus, é um convite a tomar consciência da própria fragilidade para acolher a Graça que liberta do pecado e infunde nova força em Cristo, caminho, verdade e vida". 

Para vencer as tentações devemos contar com a graça de Deus, reforçando o triple deste tempo: jejum, oração e penitência. A paciência e a humildade de seguir o Senhor todos os dias, aprendendo a construir a nossa vida sem O excluir, ou como se Ele não existisse, mas nele e com Ele, porque é a fonte da vida verdadeira. A tentação de eliminar Deus, de pôr ordem sozinho em si mesmo e no mundo, contando unicamente com as próprias capacidades, está sempre presente na história do homem.