O menino que guardo comigo
Albertino Martins
São as noites mais longas que tenho,
Quando em sonho Ele me vem,
É como um quadro há pouco pintado,
Tal nitidez com que se revela,
Não me provoca descompasso no sonho,
Preenche-me com realidades e verdades.
Não é humano nem divino,
Mas é gestualmente sublime e celestial,
Fala-me ao ouvido ou com códigos,
Respondo com acenos e sorrisos,
De vez em quando me incentiva a falar,
Pouco tenho a dizer a um ser sagrado.
Ele é Menino, outra vez.
Aliás, diz-me que nunca deixou de ser,
Porque é o Filho que comporta a Trindade.
Para povoar os meus sonhos,
Ele saiu do céu,
Conta-me que pediu à Mãe,
A ela, descreve-me com carinho,
Sempre meiga, afável, protetora,
E por conhecer sua alma divina,
A Ele, mal-educado e, às vezes, respondão,
Nada cobrava,
Tudo guardava no coração.
Fala-me também de José,
Herdara-lhe a carpintaria,
Paciência, silêncio e oração.
Homem justo,
Que lhe ensinou o sentido do amor,
Era humano, mas sua atitude invejava o céu.
Preocupa-se com Deus.
Sempre ocupado a cuidar do mundo.
Queixava-se dos homens,
Mas sua incumbência é amá-los.
Desmedidamente,
Misericordiamente.
Diz-me que Deus nutre esperanças,
A perfeição do mundo criado continua nos seus planos.
Fala-me com compaixão de Deus.
Tem saudade de quando brincavam de fazer chover e jogar raios inofensivos.
Ainda sente o cheiro das frondosas árvores que criou,
Dos bosques floridos e dos animais nas pradarias.
É Deus, mas chora.
Pelas queimadas,
Pelas poluições,
Pelas guerras,
Pelas doenças,
Pela fome.
Acalma-se quando o Espírito Santo, que é uma pomba sábia e sagrada,
Traz no bico uma relva verde,
As penas cobertas de orvalho,
Pétalas de flores embaixo das asas,
Cantarola saudavelmente,
E migalhas de milho saem de seu bico.
Depois de falar dessas coisas,
Que são divinas e humanas,
Pede-me para afagá-lo,
Coçar-lhe a cabeça e alisar os longos cabelos.
O Menino Eterno é agora humano.
E mora nos meus sonhos.
Dispersa de mim as tristezas,
Preenche-me o vazio,
Mistura meus sentimentos,
Apresenta-me à felicidade,
Convoca-me à humildade
E cicatriza minhas feridas.
Canto Noite Feliz,
Para que Ele adormeça, como meus filhos.
Mas Ele insiste em se e me manter acordado.
Pois, como Menino, precisa brincar e ouvir contar-lhe coisas do mundo.
Saber o que já sabe,
Deliciar-se com o que conhece.
Tudo se faz novo,
Porque é um novo Menino,
Divino e humano.
Que povoa meus sonhos,
Fazendo-me sentir seguro,
Útil e importante.
Lamenta as religiões não terem um pouco de poesia,
Assim o olhariam com docilidade e ternura.
A Trindade de mistérios revelados,
Toca e desvenda-se aos corações puros,
Não é rígida, intocável, impenetrável.
É um Trio Uníssono e acalentador.
A criança que repousa nos meus sonhos,
Tem uma ponta de amargura,
Por compaixão dos homens,
Mas em tempo maior é apenas uma criança.
Faz travessuras, rola, brinca,
Pula, canta as músicas dos anjos e gosta de se sujar.
Fala-me dos doutores,
Que aos doze teve que confrontar,
Diz-me que nem doutores eram,
Mas aspiravam superioridade,
E confundiam os homens,
Com bravata e arrogância.
Depois de muito ensinar,
Intensamente brincar,
Repousa no meu ombro,
Refeste-la sobre mim,
Mas não adormece.
Aquieta-se e respira profundamente.
O Deus Menino habita em minha alma,
Posso afagá-lo e tocá-lo,
Não há chagas nem dor,
Não há martírio nem sacrifício,
É apenas um dócil Menino,
Em busca de afeto e carinho, para quem tanto deu.
Este é o Jesus dos meus sonhos,
Pudera ser maior que o de Pessoa,
Sem manchas familiares,
Sem repulsa religiosa,
Apenas um Menino,
Alegre, feliz, maravilhosamente divino e compreensivamente humano.
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